Os saberes e práticas relacionados à produção do sabão de cinzas pelas mulheres de Minas Gerais são independentes de qualquer conhecimento químico convencional e não utilizam nenhum recurso tecnológico industrial. São próprios e herdados de suas mães e avós, de modo geral.
A maioria das mulheres com as quais interagimos não produz mais o sabão de cinzas, dadas as facilidades atuais de acesso e o baixo custo de sabões e produtos de limpeza produzidos industrialmente. Por esta razão, e devido ao trabalho envolvido, há uma tendência à sua extinção. Entretanto, algumas mulheres persistem em sua utilização e preparo:
Rosa: Faço. Sempre eu faço. Faço poco, mas faço.
Esta persistência provavelmente se deve à ação eficiente do sabão de cinzas como agente de limpeza que não prejudica a pele e aos valores familiares e comunitários a ele associados e transmitidos ao longo de gerações. Algumas herdeiras dos saberes relativos ao preparo do sabão de cinzas costumavam produzi-lo para comercializá-lo:
Aparecida: Eu, naquela panela que eu tenho lá em casa, eu já tirei quarenta barras de sabão. Fazia muito pra vendê, né? Fazia muito sabão.
Mas, com o tempo, mudanças levaram ao esquecimento do sabão de cinzas:
Anésia: Hoje em dia o pessoal não conhece.
Aparecida: Muitas pessoa não sabe o que que é o sabão de cinza, né? É porque muda tudo, né? Aí já não usa mais o sabão de cinza.
Essas mudanças trouxeram também outro tipo de conduta social, de acordo com as mulheres:
Anésia: Ih, mas o povo de hoje não qué sabe de nada não.
Rosa: Quando eu fui fazê aqui [o sabão], os menino fala assim pra mim – me dá pra mim. Não, não vô dá nada não. Ocê é que tem que aprendê, ué. Ai eles falam – mas eu não sei fazê isso não. Ai, mas não sabe por causa de quê? Eles não sabem nem aprendê.
Na busca de conhecer as origens do sabão de cinzas entre essas mulheres, há uma possível relação com os sabões mais antigos que se tem conhecimento. A literatura aponta que os sabões feitos com cinzas são precursores dos modernos sabões e produtos de limpeza. É provável, todavia, que o primeiro sabão da história tenha sido produzido por acaso na pré-história, nos processos de assar carne sobre fogueiras, onde a gordura animal acabava por se misturar com as cinzas.
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Isto, com o tempo, provavelmente conduziu ao hábito de usar cinzas e suas águas de lavagem (lixívias) na limpeza, o que era muito comum entre os povos antigos. O método de carregar cinzas em uma bolsa de pano, que era imersa em água para a limpeza das mãos e rosto, foi usado nas casas europeias até o século XIX (LEVEY, 1954). No entanto, a utilização dessas “águas de cinzas” no preparo de sabões parece ter ocorrido somente a partir do início da era cristã (GIBBS, 1939).
A descoberta ou a preparação de sabões feitos com cinzas, ou suas lixívias, parece ter ocorrido primeiro no século I D.C., conforme registro de Plínio, citado tanto por Gibbs (1939) como por Levey (1954). O primeiro mencionou que os descobridores do sabão de cinzas foram os Gauleses e o povo Fanti da África Ocidental, na mesma época e de modo independente, mas, o seu uso na limpeza começou a ocorrer somente no século II D. C. e de modo restrito. Antes, era usado para tingir os cabelos dos Gauleses de vermelho, provavelmente devido à composição mineral das cinzas usadas em seu preparo e também há indicativo de seu uso medicinal, provavelmente em problemas da pele.
A partir do uso na limpeza do corpo e objetos, os sabões feitos com cinzas começaram a ser produzidos e utilizados em outros locais da Europa e da África e depois foram levados para o Novo Mundo nos processos de colonização. Na América do Norte, por exemplo, os ingleses trouxeram consigo o sabão produzido na Inglaterra, mas, com o tempo, acharam mais vantajoso prepará-lo na própria colônia como forma de aproveitar as cinzas resultantes dos fogões domiciliares e a gordura proveniente dos animais utilizados na alimentação. No livro The Canadian Settlers Guide, publicado em 1855, a escritora Catherine Traill mencionou o preparo de um sabão feito com cinzas no Canadá de forma bastante semelhante ao observado em Minas Gerais, com ligeiras variações nos equipamentos e nas fontes dos ingredientes usados.
Mas quem trouxe este sabão para o Brasil? Há, de fato, relação com os primeiros sabões produzidos na história da humanidade ou é independente? Quem disseminou seu preparo e uso a ponto de observamos hoje os mesmos procedimentos, materiais e linguagens entre pessoas distintas e que não se conhecem? É difícil dizer se o sabão de cinzas chegou ao Brasil através dos Portugueses ou outros imigrantes europeus, ou se veio por meio de outros grupos culturais, como os Africanos, por exemplo, pois parece não haver registros a respeito. Também não é provável que o sabão de cinzas tenha tido origem entre os nativos, na medida em que atualmente não é encontrado entre os povos indígenas brasileiros.
Uma hipótese é que as escravas vindas da África tenham sido as primeiras produtoras do sabão de cinzas em terras brasileiras e as responsáveis pela disseminação inicial dos saberes sobre seu preparo, devido envolver muito trabalho, ao papel desempenhado por elas na limpeza e higiene das casas nas colônias Portuguesas e também porque esta é uma crença de algumas das mulheres. A linguagem utilizada também sugeriu haver raízes africanas para este sabão e no livro Tecnologia Africana na formação brasileira, Cunha Junior (2010, p. 31) mencionou a importação de sabão da África para o Brasil em meados de 1780, bem como de coqueiros para produção de óleo de coco visando substituir a gordura animal usada na produção.
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Referências
Colonial Soap Making. Its Histories and Techniques. Disponível em: <http://www.alcasoft.com/soapfact/history.html>. Último acesso: Nov, 13, 2014.
CUNHA JUNIOR, H. Tecnologia Africana na formação brasileira. Rio de Janeiro: CEAP, 2010.
GIBBS, F.W. The history of the manufacture of soap, Annales of Science, p. 169-190, 1939.
LEVEY, M. The early history of detergent substances, Journal of Chemical Education, p. 521-524, 1954.
TRAILL, C.P.S. The Canadian Settlers Guide. Toronto: Old Countryman Office, p. 167-173, 1855, 247p.